Com estardalhaço e na presença de representantes governamentais, a Caixa Econômica Federal lançou nesta semana, em Brasília (DF), uma nova linha de crédito imobiliário corrigida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que é o que mede oficialmente a inflação no país. A adoção da medida, válida apenas para os novos contratos, com juros entre 2,95% e 4,95% ao ano mais IPCA, foi baseada no argumento de que o novo modelo reduzirá os juros para a compra da casa própria, apesar de o indicador adotado ser mais instável que a Taxa Referencial (TR), usada hoje no financiamento imobiliário.

Para Jair Pedro Ferreira, presidente da Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa (Fenae), a oscilação do IPCA devido ao componente inflacionário poderá tornar o financiamento mais arriscado e caro ao cliente, principalmente pelo longo prazo do crédito. Ele faz referência ao fato desse indicador ser mais agressivo e volátil, enquanto a TR é menos instável e hoje está zerada. No caso do IPCA, se a inflação aumentar, a correção também tende a ser acentuada.

As taxas cobradas por essa nova linha de crédito estarão vigentes a partir da próxima segunda-feira, dia 26, conforme anúncio feito em cerimônia no Palácio do Planalto, conduzida pelo presidente da Caixa, Pedro Guimarães. Na ocasião, o gestor do banco afirmou que o valor da prestação será atualizado pelo IPCA mensal, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Atualmente, o saldo devedor é reajustado anualmente pela TR, hoje zerada.

Como nos últimos anos a variação da TR manteve-se abaixo da variação do IPCA, existe a possibilidade de a alteração proposta tornar os financiamentos imobiliários mais instáveis e, em alguns casos, até mais caros. Na prática, essa situação sinaliza para o aumento do grau de insegurança para o tomador do empréstimo. Em tempos de crise, o saldo devedor atrelado a índices de inflação costuma gerar maior disparidade entre a capacidade de pagamento dos trabalhadores e o valor das prestações.

Hoje, na condição de detentora de mais de 70% do crédito habitacional do país, a Caixa cobra juros de 8,5% a 9,75% ao ano mais TR nas principais linhas de crédito imobiliário. Os novos contratos pelo IPCA passam a ter prazo máximo de 360 meses e permitem o financiamento de até 80% do valor do imóvel.

Jair Ferreira lembra que, mais do que uma alteração pontual de indexador, a nova medida poderá mirar no recuo da oferta de crédito imobiliário pelo banco público para a população de mais baixa renda. “É preocupante a adoção dessa estratégia, pois o caráter meramente comercial do banco poderá prevalecer sobre o social, prejudicando assim a função 100% pública da Caixa”, declara. 

Mobilização contra o enfraquecimento da Caixa  


O novo modelo para o crédito imobiliário, anunciado pela Caixa no último dia 20, visa permitir que cada vez mais eventuais políticas habitacionais adotadas dependam sempre menos de créditos direcionados, como as fontes tradicionais de financiamento – a exemplo da poupança e do FGTS –, ou de regulamentações legais. O propósito da medida é fazer com que as novas operações passem a ser conduzidas prioritariamente pelo mercado. A troca da TR pelo IPCA é uma ação a muito reivindicada por investidores privados.

Bolha imobiliária

O crédito passará a ser securitizado pelo Certificado de Recebíveis Imobiliários (CRI), com possibilidade de retomada do imóvel em casos de ondas abruptas de inadimplência. É aí que mora o perigo, segundo alguns especialistas. Na questão do financiamento habitacional, cuja carteira na Caixa atinge um volume de R$ 448 bilhões (números de março de 2019), a securitização abre espaço para a financeirização do crédito imobiliário no país. Exatamente como ocorreu nos Estados Unidos, onde o mercado de securitização imobiliária causou uma das mais graves crises financeiras mundiais. Em 2008, grandes bancos foram à lona por terem adquirido títulos podres de hipotecas americanas.
 
A Federação Nacional das Associações de Pessoal avalia que, com a nova linha de crédito, o trabalhador de um modo geral poderá ser prejudicado pela situação de altos e baixos da inflação, levando a que a prestação habitacional suba e desça todo mês, sem qualquer previsibilidade. Avalia-se também que a própria Caixa poderá ser alvo de perdas, dado que o banco público dispõe de um grande volume de empréstimos habitacionais, não cabendo apenas a ele a responsabilidade de resolver o problema do deficit de moradia no país. 

Jair Ferreira considera importante os trabalhadores e a sociedade defenderem a Caixa como banco múltiplo, mobilizando-se para mantê-lo 100% público. “Isso é fundamental para fomentar o desenvolvimento sustentável do Brasil”, reitera. O presidente da Fenae conclui: “É preciso ter cuidado ao proceder com uma mudança estrutural na correção do saldo devedor das operações de crédito imobiliário. Estamos falando de bilhões e bilhões de reais. Não tem sentido comparar a Caixa, que possui R$ 448 bilhões na sua carteira de crédito imobiliário, com outro banco de apenas R$ 60 bilhões. Assim, joga-se para a Caixa uma responsabilidade que ela, como banco público, não pode assumir sozinha”.

Fonte: FENAE